A trama do filme não se passa no espaço, não envolve robôs ou engenharia genética e não tem armas lasers. Mas sci-fi e história se cruzam o tempo todo, e se Steven Spielberg não é fator o suficiente para fazer uma conexão, quem sabe a mentalidade dos personagens que parece ser de um mundo fictício ou as batalhas que para muitos foi o apocalipse faça. Ele não mata vampiros durante a noite, mas usa toda sua inteligência e artimanhas para certificar-se que seu país fique livre de um mal tão grande quanto – e a dificuldade é a mesma, senão maior. Esse é Lincoln, o presidente que aboliu a escravidão nos EUA e o filme que será difícil de bater no Oscar.

Lincoln 1

Durante os minutos iniciais do filme, mostra-se a Guerra Civil literalmente de perto – nada de uma muvuca de gente, mas indivíduos lutando e matando fervorosamente. No final, vemos Lincoln passando por um terreno onde as baixas da batalha estão jogadas por todo o lado. Embora sejam imagens fortes, são as únicas presentes no filme. A história é sobre a Guerra Civil, mas uma guerra mais complexa que vai além dos estados do norte contra os estados do sul. É uma guerra política entre republicanos e democratas (e de republicanos contra republicanos). Se você espera ver um Band of Brothers, esqueça. Praticamente 90% do filme é diálogo. A trama foca no período de Janeiro de 1865, quando a guerra já se arrastava durante quatro anos e Lincoln pretendia não apenas acabar com ela, mas abolir a escravidão de uma vez por todas. Para 13ª emenda passar na Câmara, era necessário o voto positivo dos republicanos e mais alguns de democratas. E é aqui que a coisa complica.

Spielberg retrata Lincoln de forma bela e justa. A fotografia do filme é fantástica, junto com os figurinos bem feitos, a direção de arte perfeita e a maquiagem orgânica evidente nos planos fechados no rosto do presidente. Mas tudo isso cai em segundo plano quando comparados ao caráter do personagem. Daniel Day-Lewis (ator britânico)  interpreta de forma natural aquele que ganhou uma guerra violenta por meio de sua destreza intelectual. O sul estava fadado a perder, e ao final de Janeiro, a guerra teria terminado. No entanto, o futuro dos negros dependeria da Proclamação de Emancipação de 1863, que poderia ser descartada pelos tribunais no final da guerra (fazendo com que os negros livres pudessem ser re-escravizados). Por isso era de extrema importância que Lincoln convencesse seus próprios companheiros que essa era a hora certa para passar a emenda, mesmo se uma oferta de paz dos Confederados estivesse no horizonte; juntasse votos de democratas para aprovar a emenda e lidar com o apoio radical igualitário de dentro de seu partido que estava prejudicando a proposta. Para lidar com tudo isso de maneira sensata, somente sendo Lincoln, que mostra ser calmo, carismático e até engraçado, mas que também é astuto e sabe manipular a lei quando preciso.

Lincoln 2

O ponto negativo do filme é o mesmo que o dessa crítica: é complicado. Com tantas facções nos partidos, tantos nomes e tanta gente vestida igual, é fácil se perder na trama se não tiver prestando atenção. Até se você tiver prestando atenção, é bem provável que isso aconteça. Para entender toda a trama de primeira vez, é preciso ter um pouco de estudo no assunto. Seria válido dizer que Spielberg fez esse filme para o povo americano, mas honestamente não acho que mesmo a maioria dos americanos tenham tanta noção sobre a parte política da Guerra Civil. Porém, mesmo com esse “defeito” e com um final que particularmente achei dispensável, Lincoln é um filme excelente em todas as categorias, principalmente devido a todas as atuações (obviamente Lewis, Tommy Lee Jones e Sally Field se destacando). Minha sugestão é a seguinte: vá assistir Lincoln com o coração aberto (e com o cérebro com uma noção básica de história), e se mesmo assim você não estiver curtindo o filme, ache David Robert Jones (Fringe), Thranduil (O Hobbit) e o Dr. Lee Rosen (Alphas) no meio daquele monte de homem barbudo.